Ed. 14 | 2023

Comitê de Integração da
Bacia Hidrográfica do
Rio Paraíba do Sul - CEIVAP

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Segurança Hídrica no Estado do Rio de Janeiro




O conceito de segurança hídrica ganhou destaque e protagonismo na política ambiental fluminense a partir de 2014, após a crise hídrica vivenciada pelas principais capitais do Sudeste. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, “segurança hídrica” compreende “ter água suficiente, em quantidade e qualidade, para atender às necessidades humanas; conservar os ecossistemas; garantir o acesso e o aproveitamento da água como recurso; resolver conflitos; e gerir riscos associados à água, incluindo inundações, secas e acidentes ambientais”.

O crescimento da população urbana brasileira, que se concentrou em grandes cidades e metrópoles, se deu sem o devido planejamento por parte dos municípios, implicando na ocupação de áreas impróprias por estarem sujeitas a inundações ou deslizamentos, além da carência de infraestruturas urbanas. No Rio de Janeiro não foi diferente: o estado possui uma região metropolitana que ocupa menos de 15% do seu território, concentrando, no entanto, 75% da sua população.

Além da distribuição irregular e concentrada da sua população, o território do Rio de Janeiro dispõe de particularidades, como áreas com relevo montanhoso, litoral exposto a fenômenos meteorológicos, mananciais degradados devido à falta de saneamento, bacias hidrográficas desmatadas, entre outras, que frente aos eventos hidrológicos extremos, o tornam vulnerável e comprometem a segurança hídrica do Estado. Possui ainda, como principal manancial de abastecimento, o rio Paraíba do Sul, que é um rio federal, compartilhado com os Estados de São Paulo e Minas Gerais, e que geograficamente se localiza a jusante dos estados citados.

Devido à necessidade premente de nortear as ações de segurança hídrica dentro do Estado, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS) e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) propuseram ao governo estadual, em 2021, a criação do Programa Estadual de Segurança Hídrica (PROSEGH), materializado através do Decreto nº 47.498/2021. O PROSEGH é um instrumento norteador para os diferentes setores e políticas que têm a água como elemento para seu desenvolvimento. Com horizonte de planejamento até o ano de 2043, o programa é dividido em quatro componentes; o planejamento, e outros três que correspondem aos pilares do conceito de segurança hídrica adotado pelo Estado: oferta hídrica, qualidade ambiental e riscos associados à água.

A “Oferta Hídrica” foca em concentrar ações que visam a compatibilização da disponibilidade com as demandas hídricas, com intuito de assegurar água em quantidade suficiente para atender aos usos múltiplos. Isso inclui tanto as ações que envolvem o aumento da oferta hídrica, quanto as ações de gestão das demandas hídricas, que venham a promover o uso dos recursos hídricos de forma eficiente e eficaz.

A “Qualidade Ambiental” objetiva reunir ações que promovam o controle da poluição hídrica e a conservação, recuperação e proteção de áreas sensíveis à segurança hídrica. Neste componente concentram-se ações, sobretudo, vinculadas aos temas: Ordenamento territorial; soluções baseadas na natureza; conservação de áreas naturais; manejo de solo; boas práticas agropecuárias; recuperação de áreas degradadas; controle de erosão; saneamento urbano e rural; entre outros.

Os “Riscos Associados às Águas” visa ações para gerir os riscos de secas e inundações, acidentes ambientais, bem como a proteção das infraestruturas hidráulicas, tais como as barragens, os diques, e as estações de tratamento de água e esgoto. As ações constantes desta componente estão relacionadas a implantação de medidas estruturais e não estruturais destinadas à prevenção, mitigação e adaptação às situações de risco.

O PROSEGH possui um portfólio de investimentos que organiza as ações e projetos que o compõe, atualizado de forma periódica. O portfólio, em sua segunda versão (dez/2022), reúne 86 ações que, juntas, totalizam um investimento de R$ 5,5 bilhões. Dentre as ações, 16 pertencem ao planejamento, 39 à qualidade ambiental, 23 aos riscos associados às águas e 8 à oferta hídrica. A transversalidade dos componentes do PROSEGH permite agregar e integrar as ações geridas pelo governo do estado com as dos demais setores, seja público, privado ou de responsabilidade do terceiro setor. Neste sentido, destaca-se que 55% dos investimentos atuais são provenientes dos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBHs) atuantes no território do estado, 43% do poder público e 2% da iniciativa privada. Para fazer parte do PROSEGH, basta possuir e submeter para avaliação da coordenação do Programa, através de formulário disponível na página eletrônica do Inea, uma ação, projeto ou programa que contribua para o aumento da segurança hídrica e que tenha aderências aos componentes do Programa.

Considerado o principal instrumento de planejamento do PROSEGH, foi iniciada, em 2021, a elaboração do Plano Estadual de Segurança Hídrica (PESHI/RJ), contratado pela SEAS/INEA. No Plano, serão adotados os três pilares do conceito de segurança hídrica (oferta hídrica, qualidade ambiental e riscos associados à água) para identificar o nível de segurança hídrica do território fluminense. A partir desse diagnóstico, serão propostas as soluções de infraestruturas e as medidas necessárias para reduzir a vulnerabilidade hídrica e assegurar a disponibilidade de água, em quantidade e qualidade, para as necessidades humanas, ambientais e econômicas.

Os recursos desta contratação, proveniente de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) do antigo COMPERJ, inicialmente iriam ser destinados apenas para o desenvolvimento de um estudo de alternativas de abastecimento do leste da Baía de Guanabara; entretanto, vislumbrou-se como oportunidade ampliar o seu escopo para atualizar o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERHI) e desenvolver o PESHI. O reforço do abastecimento do leste da baía de Guanabara é algo que merece bastante atenção do Estado, pois existe um déficit hídrico na região já identificado no PERHI (2014); com a perspectiva de seu crescimento, torna-se necessária e urgente a definição de alternativas que garantam água para a população.

A respeito do lado oeste da baía de Guanabara, foi inaugurada, juntamente com o lançamento do PROSEGH, uma das principais obras para o aumento da segurança hídrica do Estado. Com investimentos da ordem de R$ 400 milhões, a Light, em abril de 2021, iniciou as obras de um túnel que constituirá um by-pass à atual Usina Hidrelétrica de Nilo Peçanha, pertencente ao Sistema por onde a agua transposta do rio Paraíba do Sul passa para chegar ao rio Guandu. A existência dessa nova interligação possibilitará paradas prolongadas dessa usina, seja pela necessidade de manutenção ou por avaria, e desta forma, garantirá o fornecimento de água à Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que atualmente se encontra quase integralmente dependente do funcionamento contínuo dessa usina e do respectivo circuito hidráulico. A usina Nilo Peçanha tem mais de 60 anos de existência, e, ao longo das décadas, a Light vem assegurando a geração de energia com constância e segurança, por meio de suas usinas hidrelétricas, instaladas na Serra das Araras. Entretanto, estruturas desse porte requerem mantenimento e, muitas vezes, precisam ser paralisadas para verificação integral das condições de operação dos equipamentos e sistemas. Tal situação representa atualmente uma condição de elevado risco para o abastecimento de água da região metropolitana do Rio de Janeiro. O novo sistema funcionará em paralelo ao atual circuito hidráulico e terá capacidade de até 120 m³/s, comprimento de 3,8 km, diâmetro máximo de 5,8m e um desnível de 310m entre a tomada d’água no reservatório de Vigário e a restituição no reservatório de Ponte Coberta. Importante registrar que não se trata de uma nova retirada de água da bacia do rio Paraíba do Sul, tratando-se apenas de uma alternativa para a passagem da água quando de eventuais manutenções do sistema principal.

Há muitos e robustos desafios na área de segurança hídrica, alguns que demandam grandes investimentos financeiros para serem solucionados. Sem a pretensão de exaurir o tema, destacam-se alguns temas desafiadores, que devem ser objeto de estudos mais aprofundados, envolvendo a bacia do Paraíba do Sul. Um deles é a regularização de vazões na região do baixo curso do rio Paraíba do Sul. Nesta região, frequentemente observou-se eventos chuvosos extremos, principalmente nos rios Pomba e Muriaé, que nascem no município de Minas Gerais e deságuam no rio Paraíba do Sul, acarretando transtornos em diversos munícipios por onde passam esses rios. Observou-se, também, anos com meses extremamente secos, provocando níveis de água bem baixos nos rios, com impactos para o abastecimento público e atividades econômicas. Para colocar no papel as soluções necessárias nesta região, o CEIVAP criou um Grupo de Trabalho que vem discutindo sobre os projetos necessários a serem desenvolvidos nestas bacias. A primeira etapa foi a contratação, com recursos do CEIVAP, de um estudo de alternativas e projetos para garantir a adução do rio Paraíba do Sul para o sistema de canais da Baixada Campista. A empresa contratada indicou como solução a reconstrução das tomadas d’água existentes com a implantação de novas comportas e sistema de bombeamento. Com previsão de conclusão em 2023, esse estudo dará um pontapé inicial importante para definição de responsáveis pela manutenção deste Sistema, que hoje é um espólio do governo federal construído pelo extinto DNOS, assim como para a busca de recursos para as ações de manutenção necessárias, não só nestas tomadas d’águas, como em todo o sistema de canais e demais comportas. A segunda etapa, que abordará a questão da regularização da vazão em si, foi adiada até que alguns estudos em andamento sejam finalizados. Outro desafio que o Estado tem a perseguir é a existência de diversos diques de proteção a inundações, construídos no estado pelo antigo DNOS, principalmente nas áreas de baixada, que, sem a manutenção devida, acabam sofrendo rompimentos na ocorrência de eventos hidrológicos mais extremos. Essas estruturas não vêm cumprindo com sua função de proteger a população ribeirinha dos efeitos das inundações.

Na bacia do rio Paraíba do Sul, temos outras áreas que são mais sujeitas a inundações, alagamentos e deslizamentos de terra. A região serrana do Estado vivenciou recentes desastres devido a ocorrência de chuvas mais intensas. Visando minimizar os riscos decorrentes desse tipo de evento, o Inea possui algumas ações em andamento e outras em planejamento. Além do Limpa Rio, que atua desassoreando a calha de rios em diversos municípios, em Nova Friburgo, encontra-se em andamento uma obra no rio Bengalas. Em Petrópolis, encontra-se em elaboração um estudo de alternativas para mitigar o problema de inundação e alagamento existente no centro Histórico e obras dos rios Carvão, Santo Antônio e Cuiabá; em planejamento, são mais relevantes os estudos dos rios da bacia do Piabanha.

No município de Barra Mansa, o Inea vem desenvolvendo um projeto com conclusão prevista em 2023, que está indicando como solução de mitigação destes eventos de chuvas intensas, a construção de dois reservatórios in line: um no rio Barra Mansa e outro no rio Bananal. O objetivo de tais estruturas é amortecer o pico das chuvas e evitar/reduzir desastres relacionados à inundação. Projeto similar encontra-se planejado para ser desenvolvido em rios dos municípios de Barra do Piraí e Pinheiral.

Na vertente Atlântica do Estado, outros vários municípios também sofrem com as consequências da ocorrência de eventos de chuvas intensas: Angra dos Reis, municípios da Baixada Fluminense, São Gonçalo, Magé, Cachoeiras de Macacu, Carapebus, entre outros. Devido ao grande número de municípios que requer grandes investimentos para ações de mitigação de inundações, torna-se premente e urgente definir horizontes e estratégias, buscando os meios necessários para o enfrentamento das questões que envolvem a segurança hídrica, e essa vem sendo uma das tarefas das autoridades competentes em todos os níveis federativos.

No viés de oferta hídrica, podemos citar o recente decreto nº 47.403/2020, que implementa a política de reuso de águas para fins não potáveis. Trata-se de uma importante e saudável iniciativa da SEAS para incentivar a prática de reuso, contemplando todas as suas modalidades, buscando integrar segurança hídrica, licenciamento ambiental e economia. O decreto tem o objetivo de promover segurança jurídica para implementar a prática de reuso e fundamentar a futura regulamentação para definições dos padrões de qualidade da água pelo órgão ambiental.

No viés de Qualidade Ambiental, desde 2015 vem sendo desenvolvidas ações do Programa Pacto pelas Águas. Trata-se de uma série de ações e iniciativas coordenadas, por meio de aplicação de Soluções baseadas na Natureza (SbN) e infraestrutura verde, que visam, sobretudo: Promover a integração de atores estratégicos; proteger e recuperar os mananciais de abastecimento público; aumentar os níveis de segurança hídrica da população. Os significativos custos de restauração florestal, associados à limitada disponibilidade de recursos financeiros e ao extenso tempo necessário para promover a reabilitação de áreas degradadas, mostram a necessidade de estabelecimento de prioridades para a alocação dos recursos financeiros, materiais e humanos para implementação de SbN ou infraestrutura verde para segurança hídrica. O Atlas dos Mananciais de Abastecimento Público do Estado Do Rio De Janeiro, lançado em 2018 pelo Inea, em fase final de elaboração de sua 2ª versão, torno-se um importante instrumento norteador de áreas prioritárias que possuem maior potencial para responder de forma positiva às intervenções na paisagem, através da implementação de projetos de infraestrutura verde, uma vez que, aproximadamente 77,6% do território do Estado do Rio de Janeiro são áreas de manancial.

De maneira geral, cabe destacar que a Segurança Hídrica do Estado depende do esforço conjunto e coletivo dos diversos atores do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SEGRHI). Abordagens integradas para a gestão dos recursos hídricos requerem colaboração, pois a atuação conjunta aumenta a chance de atingir resultados sustentáveis para a segurança hídrica a longo prazo. Nesse sentido, na bacia do rio Paraíba do Sul, tivemos como caso de sucesso, a participação do Grupo de Trabalho Permanente de Acompanhamento da Operação Hidráulica na Bacia do Rio Paraíba do Sul (GTAOH) no processo de enfrentamento da crise hídrica que assolou a bacia do rio Paraíba do Sul entre os anos de 2014 e 2016. Foi uma rotina semanal de avaliações, envolvendo diversos entes do SEGRHI, visando orientar a operação do sistema hidráulico do Paraíba do Sul e identificar a necessidade de adequações nos sistemas de abastecimento, que permitiram garantir o abastecimento dos usuários da bacia do Paraíba do Sul e Guandu, durante a crise.

Por fim, destaca-se a importância de disseminação do Prosegh entre todos os entes do SEGRHI. O Programa foi instituído como uma iniciativa com objetivo de reforçar o reconhecimento da importância da água e permitir buscar estratégias, infraestruturas, fortalecimento da governança e fontes de financiamento. As propostas ou linhas de ação descritas precisam ter um denominador comum: a sustentabilidade dos recursos hídricos para suprir todas as necessidades da população fluminense.

Temos pela frente, no estado, governo federal, CBHs, iniciativa privada, terceiro setor e toda a sociedade, um imenso desafio para o aumento da Segurança Hídrica do Estado do Rio de Janeiro e, para enfrentá-lo, são necessárias ações agregadoras, convergentes e sustentáveis, enquanto ainda é possível.



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